terça-feira, 29 de janeiro de 2008


São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001



Texto Anterior Próximo Texto Índice JUSTIÇA É preciso buscar informações para saber se profissional é ou não idôneo; falta de boa formação acadêmica piora o problemaDesinformação ajuda a disseminar os maus advogados
KIYOMORI MORIDA REVISTA Os adesivos são comuns nos vidros dos carros: "Consulte um advogado. Você tem direitos" ou "Sem advogado não há Justiça". Mas para uma parcela da população o tiro pode sair pela culatra, e o profissional contratado para resolver uma questão legal acaba criando problemas maiores.A experiência do brasiliense Luiz Gustavo Nominato, 16, por exemplo, é daquelas para nunca mais esquecer. O pai dele morreu quando ele tinha dois anos, deixando bens estimados em US$ 30 milhões. Como o garoto era menor, a Vara de Órfãos e Sucessões do Distrito Federal nomeou dois advogados para administrar o espólio. Foram arrestados R$ 400 mil do patrimônio para o pagamento de dívidas."Levaram todo nosso dinheiro e até as jóias do pai dele", diz a mãe, Miramar Rocha, 44, que depôs sobre o caso na CPI do Judiciário no ano passado. Da mansão no Lago Norte (área nobre de Brasília) onde morava, a família teve de se mudar para uma casa alugada em um bairro de classe média.Preocupada com a imagem da categoria, em 1994, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) transformou sua comissão de ética em um tribunal de ética, no qual voluntários integrantes da ordem julgam as queixas apresentadas contra os profissionais. Em 1998, a instituição lançou a Campanha de Ética na Advocacia, que ficou permanente.As campeãs de reclamação do tribunal são as causas que envolvem malversação de dinheiro ou falta de prestação de contas. No ano passado, a seção paulista recebeu 7.167 queixas. Com a soma dos processos remanescentes de anos anteriores, o total de processos chegava a 15.236 em março de 2000, equivalente a quase 10% do universo de 170 mil profissionais estimado para o Estado.Em segundo lugar no ranking vem a acusação de imperícia, quando o cliente se sente prejudicado por atuação ineficiente do advogado. Em terceiro ficam os processos apresentados pelos próprios pares.Uma minoria de casos termina em punição. As quatro penas previstas são a advertência, uma espécie de "pito" verbal, sem registro nem estatísticas; a censura, uma advertência formal, que passa a constar do prontuário do profissional, mas não é tornada pública; a suspensão, que impede a prática da profissão por período de três meses a um ano, e a exclusão ou cassação do registro.A pena máxima é rara -dois ou três casos por ano- e só atinge os profissionais que foram condenados por crimes como homicídio, fraudes e envolvimento com o narcotráfico."Não há corporativismo no nosso meio. Nós punimos rigorosamente todos os profissionais que se envolvem em situações que ponham em risco a probidade necessária ao exercício da advocacia", afirma Rubens Approbato Machado, presidente do Conselho Federal da OAB.Mas nem sempre a punição espelha a gravidade do problema. O advogado trabalhista José Carlos de Moura Bonfim, por exemplo, se tornou habitué do Fórum de Cubatão. Desde 1997, Bonfim foi condenado em três processos e deve cumprir seis anos e quatro meses de reclusão por apropriação indébita de dinheiro de clientes (a última condenação foi em fevereiro do ano passado). Em nenhuma delas cabe recurso -é o chamado "trânsito em julgado".O mandado de prisão está expedido, e ele é um foragido da Justiça. Mesmo assim, foi condenado pelo Tribunal de Ética da OAB só em maio deste ano e a uma pena mínima -30 dias de suspensão.Segundo o Tribunal de Ética, um terço das queixas apresentadas é arquivado de cara, porque o cliente não tem como comprovar suas denúncias. Na maior parte dos casos, os acertos são feitos informalmente, sem contrato, e fica a palavra de um contra o outro.O resultado da imperícia reflete também no balcão do fórum. Em 2000, 43% dos processos que entraram na Justiça do Trabalho foram "extintos sem julgamento do mérito", o que significa que continham prováveis imprecisões técnicas, como indicar o réu errado ou fazer um pedido impossível.A falta de formação sólida fica evidente no exame de admissão da OAB, que funciona como uma peneira. Dos 11.220 paulistas que o prestaram em abril do ano passado, 52,8% foram aprovados.No provão, os resultados foram piores. A nota média obtida pelos 46.420 formandos que fizeram a prova nos 257 cursos espalhados pelo país foi 39,2 (de 0 a 100). Apenas 4,3% das universidades privadas receberam conceito "A".Para evitar que o cliente pague o "pato", a OAB estuda instalar uma espécie de "seguro" contra erros, nos mesmos moldes do que existe em alguns Estados dos Estados Unidos. Se o cliente perder dinheiro por culpa do advogado, basta acionar o seguro. No Oregon, a Associação de Advogados transformou o seguro em obrigatório. Aqui, pode ser facultativo.Para João Maurício Adeodato, da Universidade Federal de Pernambuco, o problema da advocacia brasileira é uma certa falta de prática. "A advocacia brasileira é jovem, nasceu com a democratização. No regime militar, a profissão era cerceada, não podia ser exercida em sua plenitude."Se a advocacia é "jovem", o ensino da ética é ainda mais novo. Na faculdade de direito da USP, uma das mais tradicionais do país, a disciplina ética profissional somente começou a ser ministrada no ano passado. O aprendizado, porém, depende mesmo é do aluno. "Ética não se aprende na escola, é questão de caráter, de família", diz Adeodato

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